Avó - Catita illustrations

Avó

Maria Midões, fotógrafa, leva-nos numa viagem pelas lembranças mais doces da cozinha da avó. Maria recorda com carinho os pratos favoritos da família, como arroz doce e massa de robalo, e como sua avó a ensinou que cozinhar é uma forma de expressar amor e perpetuar a tradição familiar.

Parte I

“Três filhos, uma rapariga mais velha e dois rapazes a seguir. Todos comiam as mesmas coisas mas todos gostavam de coisas diferentes. Olha, o mais novo só queria era bolinhos e coisas doces. Não havia um pequeno-almoço que eu não saísse de casa para lhe comprar um bolo que o pão para ele não era preciso. Às vezes eu chegava a casa da praça com bolinhos para irmos comendo lá em casa com o chá ou o café e não duravam até ao final do dia. Era só assim, coisas doces e mais doces. Estou convencida que se fosse vivo, o meu menino teria diabetes porque era uma coisa do outro mundo com estas comidas assim."

Era o mais novo, não chegou a vê-lo adulto. Ouvi falar dele vezes sem conta. Tantas quantas as que me permitem dizer hoje que se o visse na rua o conhecia.

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"Os mais velhos também comiam coisas muito diferentes. O do meio quando era mais novo por exemplo só estava bem a comer pão com manteiga e mousse de chocolate. Ai tanto pão com manteiga que ele comia. Depois às vezes antes de sair de casa de manhã perguntava-me o que era o almoço. Eu lá lhe dizia o que estava a pensar. Ele saía e quando voltava se por acaso eu tinha feito outra coisa qualquer dizia-me logo que tinha estado a manhã toda a pensar nisso e agora não ia poder comer. Era só assim destas coisas de vontades, tinha apetites de coisas que pensava e depois até lhe passar eu tinha de fazer. “

Parte II

O arroz doce é daquelas coisas que não me esqueço. Estar sentada à espera que ele acabe de fazer para atacar os restos da panela ainda quente fazem de mim uma pessoa feliz. Mas depois há o cabrito assado no forno, a dobrada, o frango guisado. E há a carne de porco com lagosta cuja receita não dou nem que me paguem.

"Se me perguntares se eu acho que cozinho bem... eu sei lá. Lá em casa todos gostavam da comida, se eles gostavam não me interessava mais nada. Mas há coisas que deviam saber-lhes bem. O meu filho por exemplo antes de casar levou lá a namorada a casa e pediu-me para fazer massa de robalo. Para nós era uma coisa que se comia muitas vezes, eu fazia, eles gostavam. Passados quase 20 anos ainda a minha nora me dizia que nunca mais se tinha esquecido do sabor. É bom saber isto mas não fico vaidosa. Queria era que gostassem e estivessem bem e pronto."

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A água ferveu, juntou o arroz e foi mexendo. Aqueceu também o leite até levantar fervura, apagou depois o lume e foi limpando o que estava sujo, deitando fora os ingredientes que já não precisava. Partiu os ovos. Mexe-se de forma diferente de há uns anos atrás mas o cabelo está exactamente da mesma maneira. O gesto de provar o arroz também é o mesmo mas acho que agora demora mais tempo. Acho também que lhe sabe melhor.

Diz-me que há coisas que sempre adorou comer. À parte de peixe não diz que não a leitão. Diz-me também que adora doces. Mousse, baba de camelo, arroz doce, leite creme. O que houver. "Agora já não cozinho tanto. Mas os meus netos também gostam da minha comida. Quer dizer, eles dizem que gostam mas agora há tanta comida aí que eu até fico sem saber. Falam-me em sushi e eu que gosto tanto de peixe não me imagino nada a comer peixe cru. Eles é que sabem, que se alimentem bem é o que é preciso."

Partiu os ovos, misturou o açúcar. Depois de o arroz ferver foi juntando o leite aos poucos, nunca todo de uma vez "para irmos vendo o que precisamos, não há ca estragações".

PARTE III

Conheço-a há 36 anos. Foi a primeira pessoa a ver-me na maternidade, a seguir aos meus pais e à equipa médica, claro. Quando chegou com o meu pai ao berçário do hospital ele já não sabia qual dos bebés era o dele. Tinha-me visto apenas dois segundos antes de a ir buscar. Em frente ao vidro do berçário, qual montra da vida, disse-lhe “olha mãe já não sei qual é, escolhe” 😅 Mas a minha avó apontou e disse "é aquela". E era mesmo, e sou e tenho feito o que consigo para Ser. O filho que lhe pediu a massa de robalo era o meu pai, a namorada que passados 20 anos não se esquecia do prato era a minha mãe (parte II)

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A minha avó ensinou-me que cozinhar é uma das melhores formas de mostrar aos outros o quanto gostamos deles. E tantas outras coisas que nada têm a ver com comida mas que dão sabor à vida.

Espero que onde e com quem quer que estejam, tenham uma época Feliz. Sem medo. De agradecimento, de empatia, de saúde.

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Podem seguir a Maria aqui.

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