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Autonomía das crianças

Rita Veloso, treinadora de basquetebol e ginástica e autora do livro "O Oceano de Olivia e Pedro", reflete sobre a importância de fomentar a autonomia nas crianças. Conta episódios onde incentiva os mais novos a assumirem responsabilidades e riscos. Um testemunho que sublinha a importância de não substimarmos as competências dos nossos filhos.

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Querida Catita… Foi com muito entusiasmo que recebi o teu convite para escrever umas palavras para o teu blog.

Pediste-me para falar de desporto, livros ou autonomia. Confesso que destes três temas o que mais me cativou foi o da autonomia. :)

Sou professora de educação física e toda a minha vida tem sido à volta de criançada.

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Podia falar-te de bloqueios diretos e “passa e corta”, ou de livros da Montessori etc. e tal, mas vou optar pela simples autonomia, que de simples não tem nada, querida Catita!

Debato-me diariamente com o seguinte dilema no Armazém 4: como conseguir dotar as crianças de ferramentas que lhes tragam segurança para que possam arriscar e, assim, conseguirem a tão desejada autonomia?

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Tenho uma história engraçada no Armazém 4 e conto-a em todas as reuniões de pais, no início de ano letivo. Logo no início, quando abrimos, uma mãe ligou a questionar qual seria a marca do pão que comprávamos para fazermos as tão famosas tostas mistas para os miúdos, pois o filho a todo o lado que ia, fosse que padaria fosse, dizia que nenhuma era igual à do Armazém 4. Eu sorri e disse-lhe: Ó Maria, a questão não está na marca do pão de forma, mas sim no processo, porque aqui é o Pedrinho que faz a sua própria tosta mista e, por isso, lhe deve saber tão bem!” A mãe ficou estupefacta, pois o filho apenas tinha entrado para a escola primária nesse ano.

Como este, podia dar dezenas de outros exemplos de como nós, pais, numa tentativa de apoiarmos os nossos filhos, acabamos por lhes castrar a  autonomia. Isto acontece não porque somos maus pais, mas sobretudo porque nos é mais fácil e rápido solucionar o problema que possam ter e “poupamos tempo”, mas também (e não raras vezes) porque subestimamos as competências das próprias crianças, achando sempre que ainda não conseguem, sem sequer lhes perguntarmos se querem tentar.

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Uma simples tarefa doméstica, como fazer diariamente a cama, ajudar a pôr a louça na máquina ou passear o cão na rua podem ser rotinas criadas desde cedo e que depois se tornam um hábito tão comum como lavar os dentes.

Acredito que a solução passa pela entrega de diversas funções/atividades às nossas crianças para que possam irem aumentando as suas competências de forma gradual. Ou seja, não vais pedir a um miúdo de 3 anos que estenda a roupa mas, se calhar, a um de 8 já será relativamente tranquilo pedir-lhe que estrele um ovo.

Antigamente éramos criados em famílias numerosas, com primos e avós sempre presentes, e adquiríamos competências quase por “osmose” no contexto dessa “comunidade familiar”. Hoje, as crianças têm todo o tempo contabilizado numa frenética agenda milimetricamente gerida, não sendo sequer ouvidas quanto à sua vontade de apenas brincar.

Há um episódio giro com os meus filhos que me fez refletir e criar uma rotina que hoje faço conscientemente, na certeza que é um momento importante na construção das suas personalidades. Falo do dia de arrumar os brinquedos para doar; nesse dia espalhamos no chão tudo que é “tralha” e selecionamos o que podemos / queremos doar. Acontece que, com a experiência, percebi que aquele era “o momento” da família, não porque tinham pena de dar os seus brinquedos, não porque tinham de arrumar, mas sim porque tinham apenas “o meu tempo de atenção” 100% dedicado. Eu “destralhava” e ficava contente, e trabalhava o “desapego” e a “solidariedade”, mas aos poucos fui percebendo que melhor de tudo era estarmos ali… a brincar com “coisas” que já nem sem lembravam que tinham, num serão de qualidade.

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Mas voltando à autonomia. Um dia fui criticada por pedir ao meu filho que fosse às compras ao supermercado debaixo de casa quando tinha 5 anos. Obviamente, e tratando-se de um ambiente minimamente controlado, criei esse momento uma oportunidade para lhe dar confiança suficiente para desempenhar aquela tarefa “de adulto”. Ele adorou a ideia de poder ir comprar bananas sozinho. Chegou radiante com a conquista e com sucesso e percebi que por ali era o caminho porque desde logo me pediu para “fazer recados dos grandes”. Foi arriscado!? Talvez! Mas é só com o risco que as crianças ultrapassam as inseguranças e medos (acredito eu).

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No Armazém 4 tentamos proporcionar atividades desafiantes e que criem novos estímulos para os miúdos. E sabes qual é a que eles gostam mais? De ir “à colina”! Sabes o que é ir à colina!? É subir um monte em terra batida com silvas e vegetação. É a loucura. Eles levam um pau a servir de cajado, sujam os sapatos de lama e arranham as pernas com as silvas. Os mais aventureiros puxam pelos mais receosos e chegam sempre esbaforidos a dizer “Ó Rita, subimos mesmo até lá acima e não tivemos medo!”

Se me permites, deixo dois conselhos: o primeiro é “não subestimem as competências dos vossos filhos; eles conseguem, com mais ou menos dificuldade”. O segundo conselho: não digam “cuidado, vais cair!”; digam antes “Tu consegues eu acredito em ti!”

 

Livro "Oceano de Olivia e Pedro

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